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quinta-feira, 4 de maio de 2017

Memórias

Sabe aquela memória que data de vários anos atrás, que não há motivo algum pra você voltar a lembrar, que envolve lugares aonde você não vai mais
conversas que você não tem mais
coisas que você não sente mais
pessoas que você não vê mais
pessoas que você não gosta mais

pessoas que você não odeia mais

mas que, por causa de um cheiro
uma cor
um detalhe
uma palavra,



Algumas coisas nos marcam de maneiras tão distintas que uma palavra tão específica

quanto "fractais"

te leva de volta ao dia em que a pessoa cuidadosamente falava sobre algo que envolvia esse assunto enquanto​ você tentava calcular mentalmente quanto dinheiro ia sobrar na conta depois de pagar os três boletos que estavam nas suas mãos antes de chegar ao caixa eletrônico

mas você não é boa de matemática

e acabou que você não prestou atenção no que a pessoa falava, não conseguiu chegar ao resultado da soma e voltaram os dois de cara feia pra casa.


Tem memórias que são tão vívidas que parece que eu mesma criei.

- 2017

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Os quatro gasosos

Se não me engano, é lá pela segunda série que começamos a aprender sobre o sistema solar na escola. Enquanto os colegas sequer sabiam que planeta vinha antes da Terra na escala de proximidade do Sol, eu já sabia que formatos as galáxias podiam ter, o que acontecia quando uma estrela virava supernova e por que buracos negros não eram realmente buracos. Tudo culpa da fascinação que a extensa coleção de gibis que meu primo mais velho tinha em seu guarda-roupa me causava desde muito nova. Eu queria ler todos, t-o-d-o-s, e nem sempre tinha alguém podendo ler pra mim. Enquanto uma amiga teve que decorar o discurso que ela fingiu ler na formatura da pré-escola, eu já tinha pegado emprestadas várias daquelas histórias do armário do meu primo e, entre almanaques da Turma da Mônica e revistinhas raras de uma promoção de algum refrigerante do começo dos anos noventa, eu encontrei aquele livrinho.

Não era um gibi. Não era historinha. Era sobre outros mundos suspensos com um pano de fundo preto cheio de glitter ao longe e como eles giravam incansavelmente em torno de uma bola brilhante. E como esses mundos, em sua maioria, também tinham outras bolinhas dançando em volta deles. O tempo todo. Pra sempre. E não era ficção.

Logo de cara meu planeta favorito do sistema solar era Netuno. Não tinha porque gostar mais de outro. Essa escolha me acompanhou até a segunda série, quando todo mundo decidiu que gostava mais de Júpiter, porque era o maior. Ou de Saturno, porque tinha aqueles anéis ostensivos. Mas Netuno também tem anéis. Eles são só mais finos e demoraram mais para serem descobertos porque era difícil de enxergar. Netuno – naquela época, em que Plutão ainda era planeta (e, convenhamos, sempre vai ser) – tinha essa outra particularidade de se tornar o último planeta do sistema solar por um tempo, quando sua órbita cruzava a de Plutão. Ele era retratado no livrinho como um planeta azul, o que era maravilhoso pra essa garotinha que nunca gostou muito de rosa.

Eu li tantas vezes o livro inteiro pra ter certeza de que não tinha perdido nenhuma informação que ele acabou se tornando mais uma de minhas posses. Não lembro agora se meu primo me deu ou se, por convenção, ele acabou nunca mais o pegando de volta por saber que eu ia emprestar de novo. Netuno, esse planeta estranhão que gosta de ficar no fundo da sala, sozinho por um tempo, pra depois voltar a se misturar à galera, diz um tanto sobre minha vida e personalidade, no fim das contas. Na minha cabeça, Urano era irmão dele, esse planeta peculiar que gira de lado e tem anéis inclinados por conta da sua polaridade diferente. Um gênio incompreendido. Que família.

Mas, ainda assim, é melhor que ser Júpiter, que parece posar de super bem-sucedido do rolê só porque é o maior de todos. Mal sabem eles que Júpiter deveria ser estrela, tinha todos os elementos necessários, mas falhou em crescer o bastante na hora que deveria.

Às vezes ele é visto fazendo bicos de coadjuvante nos megaproduzidos espetáculos de Saturno.

- 2016

quinta-feira, 3 de março de 2016

Sem Limites

Quando a saudade aperta,
a gente sabe que é hora.
Quando a solidão aperta,
a gente sabe que é hora.

Quando o silêncio sufoca,
quando o amor demora…
Quando o mar nos leva
a gente sabe que é hora.

É hora de voltar
quando nada nos resta
quando já é fim de festa
quando a maré sobe
e o mar nos leva

É hora, para quem tem casa,
tornar.
Para quem tem mala,
viajar.

Menos eu.
Eu não tenho para onde voltar.
Eu só sigo em frente.

- 2013

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Palavras

pt.1

Eu queria ser palavras. Eu sei que palavras são o que já foi, mas queria sê-las. Queria expressar, queria mostrar, queria ser arte. Queria ser palavras vomitadas em um papel branco inexpressivo tomado por alguma graça. Palavras desenhadas em uma péssima grafia, saídas da ponta de uma caneta preta que também rabisca. Eu queria ser passado porque já não temos mais tempo. Se eu virar presente, mal acontecerei. Preferia já ter acontecido.


pt.2

Eu queria ser palavras. Mas só as queria ser por achar que não tínhamos muito tempo. A verdade é que talvez não tivéssemos tempo nenhum. Não era hora. Não era momento. Talvez eu até tenha virado palavras (mesmo não tendo acontecido). Talvez eu volte a me torná-las. Eu não fui passado, pode ser que eu não seja presente. Mas eu posso ser futuro. Este ainda não está escrito – nem pela minha letra torta, nem pela sua pouca arte – e ainda demora a ser traçado. Temos uns 70 dias até começarmos a achar meios de moldá-lo. E não interessa passado. Não interessa palavras. Interessa que, se eu for futuro, terei a vida toda a frente de mim para ser algo mais que letras espalhadas por uma folha em branco. Poderei ser mais que sete ou trinta dias. Posso ser futuro. Posso ser eterna.

- 2011

terça-feira, 22 de julho de 2014

A Parada, pt.2

Parei de pensar.

Mas os pensamentos não pararam de me procurar.
Por algum motivo, depois de tudo isso, depois desse tempo todo, tomamos caminhos contrários e andamos em círculos.
Voltamos para onde estávamos no começo.
Eu com meus pensamentos descabidos e você com seus pensamentos delirantes.

A diferença entre eu e você é que eu sei a hora de parar.
Você vai continuar girando e girando e tentando e prometendo nunca mais amar.
Não é assim que se faz, my dear.
Eu posso garantir. Eu já estive aí.
E, às vezes – perdoe-me o clichê –, é só parando que se consegue continuar.

Pare. Agora. Ou logo você vai estar aqui de novo, e depois aí, e de novo aqui... sempre reclamando que não tem um lugar para estar.
Se você parasse só um pouco de girar...

(mas pare só quando estiver perto de mim.)


- 2013

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Migalhas

De migalha em migalha,
a pessoa que lhe fala,
vai ficando puta.

De migalha em migalha,
farelo em farelo,
nada muda.

Migalha e migalha
do pão mais belo:
minha cura.

Você joga e eu pego
todos os restos.
Minha jura.


- 2013

segunda-feira, 9 de junho de 2014

A Parada.

Já faz alguns dias. "Alta noite já se ia...". Sirenes apitam, alarmes disparam, o mundo gira. O que parecia não ir além de uns pensamentos descabidos deságua no cimento da frente da nossa casa. A rua vazia, escura, sozinha na noite eu subia. Andava quietinha, mas nunca silenciaria o barulho da minha mente. E eu mentia. Mentia até não poder mais pra mim e pra quem quisesse perguntar. E as sirenes soavam, ao longe, me denunciavam aos montes. Sinal de alerta, esta vida não anda certa, é hora de parar.


E parei.


Parei de pensar.


- 2013