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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Esconderijo


Eles estavam sentados sobre o tapete da sala pequena, de pernas cruzadas, um de frente para o outro. Naquele dia, limitavam-se a se olhar. Ela tinha as costas um pouco curvadas a ele, ele tentava se manter reto. Ficaram ali, se olhando, por um tempo. O apartamento era pequeno. A TV fazia barulho ao fundo. A cozinha acumulava louça. Os carros passavam lá fora. Eles só se olhavam. Ela levantou a mão esquerda e ele, a direita, quase ao mesmo tempo. Elas se juntaram no ar. Olharam para fora através do vidro da sacada. Era meio preocupante. Sentiam medo todos os dias ao fazerem juntos o caminho até ali. Mas era onde eles estavam seguros. Era onde estavam alheios à guerra exterior, ao mundo de palavras distorcidas e às pessoas sedentas pelo sangue deles. Chegaram mais perto um do outro. Ela sentia o cheiro da pele dele. Não era do sabonete, do perfume, do desodorante. Era da pele dele que também era dela. E permaneciam calados, só se olhando. Não era comum que fizessem isso. Normalmente conversavam, viam filmes, ficavam até mesmo um em cada canto, cuidando de sua própria vida. Mas eles tinham quase sido pegos momentos antes. E o mundo nunca pareceu tão frágil. Tão passageiro. Tão fulminante. Eles imaginaram que ririam disso quando acontecesse e saíssem ilesos. Mas não. Eles só chegaram em casa, sentaram-se e se olharam. Guardaram na memória cada traço, cada marca dos rostos um do outro. Os cabelos dela que caíam pelos ombros. Os olhos dele que caíam sobre ela. Seguraram as mãos suspensas no ar. Apertaram. Quiseram nunca soltar. Que morressem agora se tivessem que soltar e nunca mais voltar a segurar. Melhor que morrer pelas mãos sujas das pessoas lá fora.

-2012

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