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domingo, 30 de setembro de 2012

Sabrina e Apolo, pt.2


Cap. 2 – Apolo


     Apolo parecia inteligente demais à primeira vista. Dominava apenas alguns assuntos, mas sabia tudo sobre eles. Sabia tanto que podia formular teses sobre aquilo que ainda não tinha resposta – todos os assuntos do mundo têm algum mistério. E Apolo era curioso. Não suportava frases ditas pela metade. Tampouco suportava pessoas pela metade, mas, talvez sem saber, era uma delas. Ao procurar por quem fosse tão inteira quanto seu conhecimento, fugia de si mesmo. Talvez tivesse assuntos escondidos e esquecidos em sua alma que nunca houvesse conseguido resolver. Isso fazia dele um meio-homem, feito de meias-verdades e meia-sabedoria. Seu conhecimento é completo, mas sua sabedoria, não. Tinha estado já a muitos lugares, mas pouco tinha aprendido. Eram só aqueles conhecimentos e só. As pessoas ocupavam metade de sua visão, tinham brilho em apenas metade do corpo, e ele queria saber mais. Queria uma mulher que enchesse seus olhos e brilhasse por inteira. Conheceu Sabrina. Ela tinha aquela estranha convicção de viver procurando pela arte. Para ele, a arte estava em qualquer e todo lugar. Por que ainda procurar? Ela um dia disse que olharia diretamente para a mais linda obra de arte deste universo. E, apertando os olhos, como míope que era, olhou para ele.

- 2010

sábado, 29 de setembro de 2012

Sketch #1

Eu não estaria pronta para me render a uma vida que não me pertencia mais uma vez. Haviam me dito – eu me disse – para seguir a arte. Mas aquela era a minha visão de arte. Não conhecia nada que me pudesse tentar mais, que me envolvesse com mais diversão, carinho e falsidade. De tudo que eu conhecia, já havia provado e enjoado. Não havia mais nada, mas olho para os lados uma última vez antes de desistir. Eis que surge a mais pura arte. Lá, ela. Ou melhor, ele.


Pouca era a elegância, quase inexistente. Sem refinamento, sem palavras bonitas ou escrita correta. A escrita é que era difícil. Difícil de entender tanto quanto ele mesmo. O mistério era de longe não proposital, excêntrico e espontâneo. Ele não se mostrava porque não sabia.
Eram sempre os mesmos interesses, velhos e desgastados pelo tempo. Não o tempo dele mesmo – isso ele tinha de sobra – mas o que construía todo dia o novo capítulo do mundo. Não se muda o que já foi, mas se pode achar novos registros que contariam a verdade do que não se muda mais. Disso eu sei bem, mas não sei sobre o mundo. Sei sobre mim e sobre as pessoas que por aqui passam. Eu sei de cada sentimento, uma ciência tão inexata quanto ele. Ele não parece sentir, eu observava, não parecia viver. Ele guardava tudo dentro da caixa preta que existia no lugar de seu coração – os registros que podiam mudar tudo o que ele aparentava sentir por mim: nada. E recolhia cada memória do chão com sua mão esquerda.

- 2009

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Sabrina e Apolo, pt.1


Cap. 1 - Sabrina


     Sabrina sorria com os olhos. Ela apertava-os ainda mais para conter qualquer movimento dos lábios. Era seu sorriso reprimido. Era de não querer sorrir ao lembrar, algumas lembranças não forçadas, que vinham a ela de quando em vez. Essas estavam cada vez menos freqüentes, mas ainda aconteciam. Era estranho querer sorrir. Quando se lembrava de qualquer segundo daqueles, queria chorar. Já não era mais assim, às vezes sorria. Mas não queria sorrir. O sorriso virava olhos apertados, quase de quem não quer ver. E às vezes via. Alguma coisa a levava de volta ao pedaço difícil de toda a história. Nada foi fácil, mas havia a pior parte, que já passou, vai passar.

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     Sabrina não sabia ser meia. Ela tinha que estar ali por inteiro. Inteira em suas idéias, em sua consciência, em sua vontade. Podia ser nula, mas nunca meia. Ela gostava daqueles que não se reduziam também. Daqueles dotados de confiança o bastante para também não se anularem. Um dia conheceu metade de um homem. Seu nome era Apolo. Ele não sabia ser inteiro. Anulavam-no com freqüência. Mas aos olhos dela ele era todo arte. (Apertou os olhos.) A única arte que ele não conhecia era a das palavras. Ele não sabia que elas podiam desenhar. Então Sabrina desenhou sua folha inteira, toda a mesa, subiu pelas paredes, alcançou o teto e desceu ao chão. Finalmente chegou ao corpo dele e quis desenhá-lo todo.

- 2010

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Era tudo dele


Era tudo dele. Eu passei aquele ano inteiro procurando pela arte, como eu poderia continuar procurando se eu já tinha achado e perdido? Eu não tenho arte em mim, eu só posso traduzi-la de algum lugar para as outras pessoas terem a chance de saber como é isso. Ele, não. Ele parecia não ligar em mostrá-la aos outros. Ele tinha tanta arte em si que só vivê-la já era o bastante para, quem pudesse, vê-la.
Os outros artistas inventam a arte. Imitam a arte. Falsificam a arte. Ele a tinha toda.
Era tudo dele.

- 2009