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sábado, 9 de novembro de 2013

O Barulho dos Dias


O que nos resta às 4:55 da manhã de uma sexta-feira passada em claro? Na verdade, já é sábado. As crianças já foram dormir. Os velhos ainda vão se levantar. A cidade está quieta. É quando o silêncio começa a se tornar ensurdecedor.

Gritos na rua. Vozes no corredor. A água que não para de passar pelos canos do meu banheiro. O cooler que luta bravamente contra o aquecimento do meu computador. Alguém arrastou um móvel no andar de cima. A geladeira despertou com um ruído de seu motor. Alguém riu. Um cachorro latiu. Uma gota pingou e sumiu pelo ralo da pia. O prédio parece estar se mexendo na cama pronto para se despertar para um novo dia. Não vai demorar muito e a porta do banheiro do vizinho vai ranger, assim como acontece sempre a essa hora da noite fria.

As paredes aqui são finas. Este prédio tem vida. Eu não estou sozinha ouvindo a orquestra dos dias executando sua longa sinfonia pelos blocos, andares, apartamentos e esquinas.

A música é infinita.
O barulho é só ironia.


- 2013

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Não quero


Preciso comer. O jantar está pronto.
Preciso me arrumar, preciso encarar.
O monstro está solto.
Preciso entender que fortes são os outros.
Não fogem do choro, vivem de esporro,
escravos da sorte do dono.
Preciso falar. Preciso gritar.
Preciso tirar o breu
do desgosto de mim,
fraco sou eu...
preciso dormir.
Me entregar aos braços de Morfeu
enquanto o sono me leva seu nome... continuo insone.
Preciso acordar. Preciso levantar.
Preciso deixar a cama onde você adormeceu.
Preciso voltar, arrumar a mala.
Sonhar em cada estação e cada parada
O que você me escreveu é quase nada.
Preciso chegar. Preciso encarar.
Ouvir as palavras que destroçam o meu ser.
Não tenho pressa, não quero chegar.
Não quero o sufoco de não poder te amar.

Preciso comer. O almoço está pronto.
Tentar vencer ou logo eu morro.


- 2011

domingo, 6 de outubro de 2013

[Você voltou e sua boca]



Você voltou
e sua boca tinha gosto de outros beijos. Seu abraço tinha cheiro de outros braços. Seus olhos tinham cor de erros crassos.

Seu amor não era mais que devaneio. Sua mão me negava o corpo inteiro. Sua voz me incitava o desejo

de mergulhar
nos seus sonhos e segredos
quem sabe de novo um apelo
aos seus braços me livrarem desses medos
mais espaço
para o velho desapego
praticado
por quem aceita seus beijos

com gosto de outras bocas
loucas por partirem cedo.

-2013

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Esconderijo


Eles estavam sentados sobre o tapete da sala pequena, de pernas cruzadas, um de frente para o outro. Naquele dia, limitavam-se a se olhar. Ela tinha as costas um pouco curvadas a ele, ele tentava se manter reto. Ficaram ali, se olhando, por um tempo. O apartamento era pequeno. A TV fazia barulho ao fundo. A cozinha acumulava louça. Os carros passavam lá fora. Eles só se olhavam. Ela levantou a mão esquerda e ele, a direita, quase ao mesmo tempo. Elas se juntaram no ar. Olharam para fora através do vidro da sacada. Era meio preocupante. Sentiam medo todos os dias ao fazerem juntos o caminho até ali. Mas era onde eles estavam seguros. Era onde estavam alheios à guerra exterior, ao mundo de palavras distorcidas e às pessoas sedentas pelo sangue deles. Chegaram mais perto um do outro. Ela sentia o cheiro da pele dele. Não era do sabonete, do perfume, do desodorante. Era da pele dele que também era dela. E permaneciam calados, só se olhando. Não era comum que fizessem isso. Normalmente conversavam, viam filmes, ficavam até mesmo um em cada canto, cuidando de sua própria vida. Mas eles tinham quase sido pegos momentos antes. E o mundo nunca pareceu tão frágil. Tão passageiro. Tão fulminante. Eles imaginaram que ririam disso quando acontecesse e saíssem ilesos. Mas não. Eles só chegaram em casa, sentaram-se e se olharam. Guardaram na memória cada traço, cada marca dos rostos um do outro. Os cabelos dela que caíam pelos ombros. Os olhos dele que caíam sobre ela. Seguraram as mãos suspensas no ar. Apertaram. Quiseram nunca soltar. Que morressem agora se tivessem que soltar e nunca mais voltar a segurar. Melhor que morrer pelas mãos sujas das pessoas lá fora.

-2012

domingo, 18 de agosto de 2013

[Eis aqui mais um homem]



Eis aqui mais um homem que está sem estar. Alguém que vem sem vir, que fala sem dizer. Que ama sem pensar.
Que não ama achando amar.
Que sabe, mas não quer aceitar.
Que mente e não consegue acreditar.
Um homem que foge para todo lugar
                                        e neles todos
                                        está
                                        ao mesmo tempo

                                        sem estar.


Eis aqui eu que estou sempre. Que não sei esconder mentir omitir acobertar fugir
ou encobrir qualquer coisa minha que se sinta.
Eu que ando tomando soco e mais soco da Vida no estômago
na barriga
no sufoco de querer
o que não se queria.

De querer outro homem que, algum dia,
fica
outro dia
zica

outra noite
s'esconde
de repente
sente

que às vezes
por onde
quer que passe
inventa

um novo nome
aparência


um homem que quer ficar, mas, de repente
despenca.

-2013

sábado, 13 de julho de 2013

Silêncio, Ódio e Amor



Eu tinha o silêncio, o ódio e o amor. Foram as três coisas com as quais eu convivi esse ano todo. Pedissem-me para falar, eu me calava; não era a minha vez. Mas a vez de quem era foi passada, como sempre. Pedissem-me para deixar de me importar, eu mais ainda queria (matar). Tem gente que passa dos limites, não sabe parar. Mas que não me pedissem para esquecer. Não consigo quando não quero, tenha isso a ver com esperança ou não – que pouco tinha. Quando a urgência me veio, eu falei. O silêncio era meu, mas o meu amor sempre foi seu – e não acaba mais. E do ódio, desse eu me livro, se isso significa ter tudo o que eu tinha de volta. Essa sempre foi a parte menos significante de nós (que deveríamos ser) dois.

-2009

terça-feira, 9 de julho de 2013

Sabrina e Apolo, pt.5



Cap. 5 – O Sofrimento

     Talvez Sabrina não entendesse o porquê. Talvez ela não quisesse ver. Apolo partiu de repente, sem aviso, sem perdão, sem PENSAR. Sabrina chorou – como poderia não chorar? Ele, sem querer, ensinou a ela a beleza do mundo. Mostrou que, não importava onde, ela poderia ser feliz. A felicidade para ela era frágil, difícil. E ele, não importava quando fosse, fazia com que ela visse que era possível ser feliz. Se eles aprenderam tanto juntos, por que tinham que ficar separados? Talvez fosse orgulho, mas Sabrina não sabia. Talvez não quisesse saber. Quão incompreensível é isso? Mas não importava. Sabrina cometeu o terrível erro de não querer resolver. Ela só queria se afogar em sua dor. Talvez nem soubesse resolver, mas, verdade seja dita, não tentou. Ela só se afogou em sua dor. De repente, viu que perdeu sua preciosa parcela de felicidade. De repente, era meia. Era só mais uma tentando sobreviver de sofrimento.
     Era quase nula.

-2010